quarta-feira, 24 de junho de 2015

Ele há coisas

Ainda ontem era terça e hoje já é quarta. Incrível como o tempo se encadeia com esta infalível precisão, sem nunca se engasgar.
Sento-me num qualquer objecto designado para sentar e dou por mim a pensar baixinho, num tom semigrave e em  lá menor, que nunca anuiria a que a Manuela Ferreira Leite me fizesse um broche. Para que não me tomem por machista, o mesmo se aplica ao Marcelo Rebelo de Sousa. Não sou misógino, talvez um dos unicos defeitos que não tenho, sou é bastante criterioso em relação a com quem me engajo, ou não, na intrincada arte do felácio.
E com isto mais uns minutos passaram no relógio, o tempo a correr, sem nunca tropeçar, nem numa pedra, nem numa flor, nem na morena do outro lado da rua, ou num amor sem fim de uma noite só.

domingo, 7 de junho de 2015

Apaguem a lua que eu quero dormir

Se eu pudesse amava toda a gente. Mas não posso. Nem quero. Além disso não me dá jeito nenhum fazer fretes. Por isso decido amar apenas quem ama, com ganas, com asas, com brasas espalhadas e tentativas falhadas. Com garras para agarrar e não largar o que se persegue. Gente com o coração na boca, o sangue na guelra e o pelo na venta. Com olhos que brilham muito e sorrisos rasgados, sinceros, desinteressados. Da gargalhada estridente, das mãos calejadas, do perder a noção do tempo embalado no colo daquela a que chamam má vida, erradamente; por ser, efectivamente, a melhor delas. Gente com tempero, sem medo de ter medos e incertezas. Que cultive dúvidas como cogumelos, que faça perguntas sem receio de descobrir que está errado. Gente que se enfrente, que se assuma, que se imponha.
Enfim, gente (que) viva. Porque a única vida má é uma vida-morta.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sul

Ao sul as horas derretem ao sol, e eu com elas vou escorrendo rua abaixo.
Pouco importa o que eu acho, senão o que eu vou fazendo. Pela rua abaixo.
Escorrendo, escorrendo até ao esgoto mais próximo.
Sendo o meu fim o mesmíssimo do que o dos demais, não mais do que fertilizante para vegetais.
Mas meu caminho é divergente, mania de ser diferente, de querer mais do que futebóis, de querer ser gente.
Sem 3D, 4G, a morar num T, com o Cristiano no LCD a medir pilas em HD.
Sempre à procura do ponto G, que fica na testa mas ninguém sabe e, por isso, ninguém o vê.
Arrebanhado ao múltiplex, ibex, simplex. Pendurado no psi20 com o olho no dowjones para ver se não desce.
Pela rua abaixo escorrendo vou, para trás deixando tudo o que não sou.

sábado, 18 de abril de 2015

Farófias

tu vais
ele vai
nós vamos
vós ides
eles vão
eu fico.
a fazer fintas
a um copo de tinto.
que até preferia que fosse de absinto,
que bem cairia se fosse de absinto.
puro e duro, sem rodeios,
por isso troco e risco o copo
e tropeço mais um pouco.
no corpo trôpego e desajeitado
abraçando o escuro
dou-me conta de que não sei fazer farófias.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

À tardinha

Acordou a roer uma bota de borracha. Era já a terceira vez naquela semana que despertava com hálito a galocha. Cuspiu a bota, lavou a boca sete vezes (ou meia dúzia) com desentupidor de canos ultra concentrado de tripla acção incandescente e extra efeverscência garantida. Inofensivo para os anões caucasianos de meia idade mas letal para a comunidade de ursos polares da ilha do Rato. Antigamente eram aos cardumes, hoje em dia não se lá encontra um, mesmo procurando muito bem e sendo um indivíduo que domine a arte de bem procurar.
Aborrecia-lhe o glamour das mamas de silicone, os jactos privados davam-lhe sono e limpava com assídua frequência o cú a listas VIP das mais variadas proveniências. Ocasionalmente cheirava-lhe a esturro, era aquela coisa do conflito geracional que cozinhava algures em algum lugar desencantado da cidade. Certamente numa vida cabem todas as idades e nem por isso se entra em conflito consigo próprio, pelo menos não por essas razões. Pensava para com os seus botões, que eram poucos, os que restavam.
Exasperava por algo mais que não apenas o contentamento da vaidade, caixinhas enfeitadas com lacinhos ás corzinhas, vazias na sua maior parte.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Mãos ao alto

Na mão fechada segurava a hora que teimava em passar. A outra mão, vazia, usava-a para se safar por intermédio de fumo e artifícios. Avançava pela calada, sempre à espera de nada com a veia da testa a latejar. Empenhado em fechar a mão tropeçou num burocrata, bateu com a boca três vezes no mesmo lugar. Manias e vícios que agarrava, figurativamente, com ambas as mãos. Felizmente para si, e não tanto para os demais tinha o carisma de uma batata. Obstaculizava-se a olhos vistos na tentativa atabalhoada de atalhar caminhos. Incessantes périplozinhos a dar um ar da sua graça, que era nenhuma. Os pés p'las mãos, os pés na poça, o volta e vira e volta e vira e fica na mesma. Um cabaz de inutilidades à disposição de uma forma rara de existência. Nada mais do que o menos possível.

sábado, 21 de março de 2015

Até 'tou cos calores

Na minha terra os homens não choram. São rijos como o aço, daquele aço que baixa as calças e come e cala, desde que o assunto não seja futebol claro está. São feitos da matéria com que se fabrica a subserviência (que não se devia nunca confundir com humildade). Filhos da educaçãozinha cristã que faz com que tudo seja da nossa conta, especialmente aquilo que não o é. Com quem se dorme, com quem se acorda, por qual orifício se obtém ou não prazer. A mesma educação que nos ensina a perdoar tudo, da errónea natureza do ser humano, de conceder sempre outra oportunidade ao próximo. A não ser que ele chupe piças,  nesse caso é queimá-lo na fogueira.
O nosso maior inimigo são as fufas com intenção de adoptar criancinhas (que irão ser um dia umas grandes fufas também, mesmo que sejam gajos), o que nos fere de morte a integridade são essas gajas que andam com uns e outros sem darem explicações a ninguém. Afinal quem é que elas pensam que são, homens?
Tudo o resto nos passa ao lado, tudo resolvido e perdoado num piscar de olhos. E cá vamos, sorrindo e servindo a quem nos manda cavar a nossa sepultura.