sexta-feira, 27 de março de 2015

Mãos ao alto

Na mão fechada segurava a hora que teimava em passar. A outra mão, vazia, usava-a para se safar por intermédio de fumo e artifícios. Avançava pela calada, sempre à espera de nada com a veia da testa a latejar. Empenhado em fechar a mão tropeçou num burocrata, bateu com a boca três vezes no mesmo lugar. Manias e vícios que agarrava, figurativamente, com ambas as mãos. Felizmente para si, e não tanto para os demais tinha o carisma de uma batata. Obstaculizava-se a olhos vistos na tentativa atabalhoada de atalhar caminhos. Incessantes périplozinhos a dar um ar da sua graça, que era nenhuma. Os pés p'las mãos, os pés na poça, o volta e vira e volta e vira e fica na mesma. Um cabaz de inutilidades à disposição de uma forma rara de existência. Nada mais do que o menos possível.

sábado, 21 de março de 2015

Até 'tou cos calores

Na minha terra os homens não choram. São rijos como o aço, daquele aço que baixa as calças e come e cala, desde que o assunto não seja futebol claro está. São feitos da matéria com que se fabrica a subserviência (que não se devia nunca confundir com humildade). Filhos da educaçãozinha cristã que faz com que tudo seja da nossa conta, especialmente aquilo que não o é. Com quem se dorme, com quem se acorda, por qual orifício se obtém ou não prazer. A mesma educação que nos ensina a perdoar tudo, da errónea natureza do ser humano, de conceder sempre outra oportunidade ao próximo. A não ser que ele chupe piças,  nesse caso é queimá-lo na fogueira.
O nosso maior inimigo são as fufas com intenção de adoptar criancinhas (que irão ser um dia umas grandes fufas também, mesmo que sejam gajos), o que nos fere de morte a integridade são essas gajas que andam com uns e outros sem darem explicações a ninguém. Afinal quem é que elas pensam que são, homens?
Tudo o resto nos passa ao lado, tudo resolvido e perdoado num piscar de olhos. E cá vamos, sorrindo e servindo a quem nos manda cavar a nossa sepultura.

terça-feira, 10 de março de 2015

O amanhã começa hoje

Não me deixo ficar,
                                    quando muito deixo-me levar.
    Por vezes longe demais, se é que isso existe.                                    Em várias órbitas.                                                                                         Aleatoriamente.
        E mesmo assim consigo ficar aquém
                                  na minha sensação de insatisfatória satisfação.
                                                                                 Transito entre estados, de corpo e alma,
               vou de sólido a gasoso em menos de um triz
                                                              e vice-versa,
                   que é o mesmo que dizer de triz a sólido em menos de um gasoso.
                                 Volátil seria a palavra que melhor descreveria
      este peculiar fenómeno se para tal                                                          houvesse razão,
  o que não é o caso.
                               Guardo o meu melhor para o fim,
               garantia de que o melhor está para vir ainda um dia,
                                                                                                  que pode ser hoje,
que pode ser já
               e por isso me mantenho alerta,                                                             para quando                                esse tempo chegar não me apanhar de braços caídos aguardando
 a derrota sem nunca sequer ter lutado.
                                                E se for para perder que seja de pé
            e não ajoelhado,
                                           ou curvado em vénia a minúsculos gigantes.

terça-feira, 3 de março de 2015

Sem filtro

Apesar de o planeta estar a aquecer há um frio persistente que cresce na proporção inversa que insiste em arrefecer-nos por dentro. Uma espécie de idiotice crónica a propagar-se como asfixiantes fungos por todo o lado e sem fim à vista. 
Não são os políticos,  os gestores e os banqueiros que não têm memória, sou eu. Que aprendi há muitos anos, e infelizmente não na escola,  que são todos aldrabões, bem falantes e elegantemente trajados é certo mas  mesmo assim aldrabões. Só que me esqueço na hora de sair à rua e protestar, na hora de bater o pé ao patrão, na hora em que me esqueço de pôr os pés à parede e me deixo apanhar entre ela e a espada. Sair à rua para pô-los na rua dá-me mais trabalho do que ficar a vê-los arruinar a terra dos meus avós. Que se fodam os países, as fronteiras, os muros e as vedações. É a terra que piso, onde quer que seja, que é minha enquanto estiver vivo, para cuidar e proteger  até a entregar, como a encontrei, a quem vier a seguir.
Se é preciso lenha que se queimem os ricos que ardem melhor com tantos adereços e aditivos e activos tóxicos. Não se lipoaspirem queridos, autolobotomizem-se e doem-se à ciência, se querem variar inscrevam-se como voluntários numa fábrica de vibradores como testadores de produto. Ao menos se comprassem umas ilhas, ou um oceano, sei lá, e se mudassem para lá e por lá ficassem a chupar caralhos, de preferência sem abrir muito a boca que é falta de etiqueta falar com a boca cheia.